domingo, 8 de agosto de 2010

Não arte, mas artistas engajados

A fome do Homem do Vitrúvio

A arte é neutra, mas não os artistas, que tem todas as suas infinitas motivações para fazer a arte. Alguns fazem arte pra mudar o mundo, outros só pra descrevê-lo, outros pra ironizá-lo, outros pra exaltá-lo etc.

A obra de arte adquire independência em relação ao artista a partir do instante em que entra no mundo representando o próprio mundo, ganhando uma vida própria. Esta consiste justamente na independência em relação às motivações do artista ao criá-la, sejam políticas, éticas, econômicas etc. Assim liberta é que a obra suscita em nós essa mesma liberdade em relação a todas essas motivações que nós próprios temos cotidianamente (e isto é a sublimação que a contemplação estética nos proporciona).
Essa contemplação, porém, pode ser mais do que estética, pode ser interessada, pode causar em mim sentimentos de revolta, pode me levar a querer sair às ruas em passeatas, pode me ensinar um modo de me relacionar com as outras pessoas; mas esse engajamento prático ou político não pertence à obra de arte e sim ao seu contemplador.

O que é uma obra de arte? É um inutensílio, como disse um poeta. Não serve para nada, apenas revela o mundo em um sentimento.
Guernica, de Picasso, revela o terror, e só isso: essa é a pureza da arte, não ser engajada, embora os artistas e contempladores possam sê-lo, usando Guernica como instrumento para isso. Este uso, no entanto, é sempre secundário e ele próprio não define nenhum tipo de arte.

A arte como tal só quer representar, nascer, desabrochar, aparecer, abrir o mundo, não mudá-lo. Os artistas é que podem, representando-o artisticamente, querer mudá-lo, e essa mudança não é artística.

O realismo extremo não é arte

Detalhe de um desenho realista a apartir de uma foto.

O desenho realista não tem a função de duplicar a realidade, pelo contrário, ele deixa muito claro tratar-se de um desenho, de uma criação, de uma invenção. Portanto, um desenho completamente idêntico ao real não é arte, pois não está apresentando o mundo, mas uma técnica ilusionista surpreendente, como a mágica. Seu objetivo é enganar o olhar como Zêuxis enganava passarinhos com suas uvas pintadas. Quanto mais extremo é o realismo na arte, menos arte ele é, pois a arte ela mesma tem uma realidade autônoma, da qual não pode abrir mão.

Uma obra de arte que copie perfeitamente o mundo a ponto de nos iludir pode ser sim contemplada esteticamente, mas não na consideração da contemplação artística, mas na experiência estética que temos contemplando a própria natureza, que também nos suscita beleza, feiúra etc. Assim, tal obra, ela mesma desaparece, tornando-se ausente sob o pretexto de estar mais próxima da realidade. Por isso eu acredito que o realismo extremo não é arte.

Cópia e Original na Arte

Cópia de desenho para estudo das mãos de Ginevra de Benchi, de Leonardo da Vinci

As noções de original e cópia podem se conectar. É possível copiar um desenho e ser ao mesmo tempo original, como alguém que canta a letra de uma música feita por outra pessoa. É uma maneira de interpretar a obra e não simplesmente de copiá-la.

Assim, essa diferenciação entre cópia e criação depende da intenção ou da finalidade do ato desenhativo. Alguns artistas fazem cópias o mais exatas possíveis para aprimorar seu estudo ou para vendê-las. Outros, fazem cópias dando um novo significado à obra, como as diversas existentes da Monalisa, por exemplo.
Outros são ainda capazes de copiar não uma obra, mas o próprio estilo de um artista, e por meio dele passam a criar obras originais, geralmente com a intenção de vendê-las. Um falsificador do pintor Vermeer enganou os nazistas desse modo, os quais compravam seus quadros por preços exorbitantes.

A minha opinião é a de que assim como não existe uma cópia perfeita, não existe uma perfeita originalidade. Sempre quando se copia, modifica-se o original, e sempre quando se cria, apresenta-se uma mistura entre o ambiente e a inventividade artística, de modo que a obra nunca sai pura do artista, e nem está dentro dele - ela se forma a partir dele e do seu ambiente
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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A feiúra na arte


Rostos de uma série que inventei, a série 'rostos feios'.
É interessante nos perguntarmos por que a estética é em geral definida não só como o ramo da filosofia que se atém aos questionamentos sobre em que consiste a obra de arte, mas também sobre o belo. Alguns filósofos ainda são inclinados a pensar que o feio deva ser representado belamente. É muito estranho que o feio, uma vez sendo o oposto do belo, não mereça a mesma importância que ele. É porque não nos causa prazer? É por isso que ele tem que ser representado belamente, para que não tenhamos nojo de mantermos contato com a obra? É porque ele nos lembra a decrepitude e a morte? É porque o feio representa um sentimento deteriorado, incapaz de suscitar a sublimação, a purificação, por um instante que seja, o esquecimento repentino de nossos desejos e aversões?

Não me parece. Me parece que, ao contrário, as estéticas que esquecem o feio denunciam a sua falta de sublimação, denunciam que estão presas a desejos que querem negar. A sublimação não consiste na negação dos desejos, dos instintos que se acendem defronte a forma bela, mas no seu reconhecimento mais íntimo. Essas estéticas grostescas do belo esquecem que nenhuma obra de arte pode ser bela, assim como nenhuma pode ser feia, e por isso nenhuma pode ser reprovada por nos causar nojo. Ao contrário: elas não são nada, não são ninguém, são apenas uma superfície pela qual se avista o belo, o feio, o nojento, o agradável ou o que você queira. E quanto mais nítida e imperceptível essa superfície, melhor se pode ver o fundo que ela encerra, e o fundo que ela encerra é moldado pelas intenções do artista.

Recalcar a feiúra, tentar escondê-la não poderão, sob o risco de deteriorarem a beleza. Transformaram a beleza nessa coisa idiota e isolada. A feiúra na beleza, a beleza que há na feiúra, e ver de uma vez por todas como elas se complementam como o vale e a montanha.

terça-feira, 27 de outubro de 2009